Vida de doutor é mais que BBB

Desde anunciado que haveria uma linguista da Unicamp no BBB, algumas pessoas me perguntam sobre “minha colega”. Já uma amiga de Brasília, por sua vez, contou-me que acharam que era ela. Na verdade, não conheci a Elenita, apenas somos doutoras pelo mesmo Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp e, coincidentemente, defendemos tese no mesmo dia 19/12/2008.

Aviso que não pretendo esgotar o assunto e remeto ao blog de uma outra doutora, chamada Caroline e amiga de Elenita:
http://carolinguista.blogspot.com/2010/02/acaso-afortunado.html

Não que eu concorde com todas as suas palavras, mas creio que o texto, cuja força admiro, cumpre um papel importante ao oferecer uma visão alternativa ao rotulante artigo de Marcelo Marthe, de Veja (“Doutora em Barracos”), ao menos na blogosfera.

Cada um sabe bem o que faz da própria vida”, nesse aspecto penso exatamente como Caroline.

Quanto à aposta de que “muitos acadêmicos não perdem um capítulo do BBB”, pode até ser, só acho que não é uma regra geral. É que, como eu, vários acadêmicos estão, digamos, “ralando”, dando aulas em cursos noturnos, tendo outros empregos durante o dia, eventualmente estudando para concursos, preparando artigos para congressos...

Houve um tempo em que ter uma graduação era um diferencial. Hoje em dia, com o aumento do número de mestres e doutores, a carreira acadêmica, como outras, torna-se extremamente competitiva e é preciso muito esforço para alcançar algum “lugar ao sol”. Elenita escolheu um caminho alternativo - total direito dela - mas não é regra, é exceção. Não seria também papel da imprensa divulgar a vida “padrão” de um doutor?

Primeiro, o candidato enfrenta uma seleção concorrida para entrar num curso de doutorado. Pode conseguir ou não uma bolsa (CNPq, Fapesp), o que está cada vez mais raro; quando consegue, o auxílio financeiro (em geral, menor que a remuneração de uma atividade no mercado profissional compatível ao nível de formação) exige dedicação exclusiva para a pesquisa e cumprimento de prazos apertados.

No caso do meu curso (o de Linguística, do IEL), passamos por três exames de qualificação, sendo dois deles em áreas diferentes da área de tese, exame de aptidão em duas línguas estrangeiras (não podendo ser espanhol), entre outras exigências além da carga de disciplinas e da tese em si. Fiz isso trabalhando como jornalista e, na medida do possível, dando algumas aulas, por gosto e também por necessidade de “fazer currículo”.

Enfim, não é nada fácil seguir uma carreira acadêmica hoje. Mesmo que passar em um dos concursos de universidade pública (cada vez mais concorridos e exigentes), um doutor terá um salário menor que o de muitas profissões liberais que exigem apenas graduação (quem tiver curiosidade basta pesquisar editais). Acredito que a maioria dos acadêmicos seja movida pela sede de conhecimento, não por dinheiro (infelizmente, a “fita métrica” do “sucesso profissional”). Não se fala muito disso, porque, por definição, notícia é o inusitado, não o convencional.

Doutores são seres humanos, ora. Como acontece com qualquer profissão, entre doutores pode haver gente boa, gente ruim, gente esforçada, gente “folgada”. Sim, pois mesmo com tantas exigências, há quem consiga levar as coisas na “folga” para obter um “titulozinho”. Se um médico comete uma imprudência (e não estou afirmando que este seja o caso de Elenita, pois decisão pessoal não é imprudência), você generaliza e denigre toda a classe médica?

Estou cansada de ouvir uma visão estereotipada das ciências humanas (“pendor esotérico vigente nos departamentos de ciências humanas”). E isso precisa começar a mudar dentro da própria academia. Geralmente, na maioria das universidades e institutos, ficamos com o resto de equipamentos de informática, por exemplo, como se também não precisássemos de máquinas rápidas para pesquisa. Não temos salas privativas como ocorre com outros pesquisadores de biológicas e exatas. Certa vez, um colega da computação comentou sobre a “sala de jogos” da Universidade. Não, era um local para estudo, mas ele deu à sala também essa função. E não era um estudante de Humanas.

No ano passado, lembro-me de ter visto na TV o Padre Fábio (que também respeito), durante uma de suas lições de vida (não raras vezes, preciosas) dizer algo como “muitas pessoas se acham mais do que outras porque têm um doutorado”. Pensei: até, tu? Poderia ter usado algum outro exemplo: por ter um carro zero, usar uma roupa de marca... Daqui a pouco, precisaremos nos desculpar por ter um doutorado. Boa parte dos doutores que conheço não chegou até lá porque foi fácil, mas porque agarrou a oportunidade que a vida deu de estudar, por vezes a única que teve. Não digo isso sem reconhecer que muitos não têm essa oportunidade.

Não tenho tempo de ver BBB, pois chego a trabalhar cerca de 14 horas por dia: 6 como jornalista, 4 dando aulas e outras 4 preparando as aulas, corrigindo textos dos alunos, etc. Nas horas livres, tenho outros interesses. Mas fazia tempo que queria “espiar” a linguista. Liguei a TV na sexta e vi o pessoal da casa “esfregando o esponjão”. De fato, algo pouco educativo, que em nada contribuirá para uma sociedade mais sábia, capaz de ler e interpretar criticamente um texto jornalístico, por exemplo. Jornalistas não são donos da verdade - digo isso como jornalista, inclusive - mas não costumam deixar isso claro.

Mas, vejam só. Big Brother já se esgotou, é tudo um repeteco. Colocando lá uma doutora, despertaram a curiosidade até de alguém como eu que, desde o segundo ou terceiro BBB, já não aguentava mais. Não é uma boa estratégia para obter ibope?
Não terminei, mas já me estendi demais.

Comentários

  1. Érika,

    nunca havia visto BBB antes de Elenita. Eu simplesmente ignorava a existência do programa (por vários motivos, entre eles alguns que você citou - trabalho, lazer). Depois da Elenita, vi no dia do paredão em que ela estava, porque, simplesmente, estou torcendo por ela.

    Não acredito que o BBB possa ser um programa que contribua educacional ou culturalmente para o crescimento de alguém, mas a gente tem o controle, não é mesmo?


    O que não aguento é, do lado da imprensa, essa ridicularização das pessoas, seja lá quem for, por conta de seu temperamento (agora mesmo acabo de ver isso sobre Paris Hilton no carnaval do RJ num jornal!). De outro lado, não aguento os doutores fazendo comentários igualmente rasos e preconceituosos sobre o BBB por aí sendo que esses mesmos doutores nunca viram o programa (como vou criticar alguém ou algo sem ter a minha própria visão?).

    Bem, muitos doutores que eu conheço e que conhecem Elenita "estão descendo o pau" nela. Agora eu lhe pergunto: que diferença vai fazer em nossas vidas de doutores se Elenita está ou não fazendo barracos no BBB ou se ela é barraqueira? Nenhuma! Isso só faz diferença na vida dela mesma! Por isso muita gente nem se manifesta a respeito. Eu não me manifestaria se não fosse aquela matéria de Veja com tom bem parecido ou igual ao do BBB e se eu não fosse quase doutora.

    Abraços.
    Parabéns pelo blog! ;)

    ResponderExcluir
  2. A propósito, no seu texto consta o que Veja e a imprensa em peso deveria fazer: MOSTRAR O QUE UM DOUTOR FAZ!

    Parabéns!

    ResponderExcluir
  3. Oi Érikinha,
    Triplo parabéns para vc! Pela retomada do blog com novo visual, pelo seu dia, e pelo seu texto sobre "doutores e BBB"!
    Bjos.

    ResponderExcluir
  4. Agradeço a participação, Caroline! Como diz, o que Elenita faz ou deixa de fazer no BBB não afeta nossas vidas. De qualquer forma, é válido pôr a discussão em pauta para não circular uma única visão.

    ResponderExcluir
  5. Vida de doutor é uma cobrança ardua sem qualquer midia, imagina vc sendo visada?! Dificil não correr risco...

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Kart In Jaguaré - Perigo!

Cabeça de bacalhau

E nos casamos...