Vírgula, e...

Um amigo me perguntou quando se usava vírgula antes de “e”. Pergunta boa, mostra que ele desconfia das generalizações do tipo “nunca use vírgula antes de e”. Vírgula não é sinônimo de pausa, mas, como numa melodia, o “compasso” da frase pode abrir a possibilidade para uma vírgula optativa. Outras vezes, a pausa parece ser uma certeza, mas alguma regra de norma padrão barra o uso da vírgula (ex. entre sujeito e predicado). Quanto ao “e”, várias possibilidades podem surgir conforme a produção textual. Rascunhei uma delas para o meu amigo, do jeito que me veio à cabeça:

Aquela praia me fazia relembrar a infância, cujo gosto era de morangos frescos, e me obrigava a recordar o olhar severo de minha avó.

Nesse caso, a vírgula que precede o “e” é exigida por uma oração intercalada. A “informação” principal do período é: “Aquela praia me fazia relembrar a infância e me obrigava a recordar o olhar severo de minha avó” (duas aditivas, na classificação tradicional). No meio, uma outra frase “qualifica” a infância (cujo gosto era de morangos frescos = o gosto da infância era de morangos frescos), por isso fica intercalada (entre vírgulas).

Este é apenas um dos casos de “e” precedido por vírgula que a escrita pode gerar. É bem mais legal ver isso na linguagem em funcionamento (o meu exemplo aqui é artificial). Fica a dica: é bom desconfiar das regras que soam muito categóricas.

PS: não conheci praia na infância (só mais tarde), não tive uma avó severa e já era adolescente quando aprendi a apreciar o sabor azedinho do morango. A escrita tem sua realidade própria. Por isso, adoro literatura.

Postado no meu blog do UOL em: 05/02/09

Comentários

  1. Comentário recebido:
    Gustavo] [gustavobetanha@yahoo.com.br]
    Muito legal este post Érika! Parece que eu conheço esse seu amigo que fez a pergunta...rs bjs.

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