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Mostrando postagens de 2015

Passageiro do fim do dia, de Rubens Figueiredo

Resenha (com licença poética)  Sinto o cheiro do tubo de metal do ônibus ao ler o livro, embora este cheiro seja hoje quase apenas uma lembrança. Ninguém morre por andar de ônibus, mas minha cidade tem linhas ruins e eu andava em 8 por dia, lembrança amarga, porque me tomava tempo de vida. Mas não é dos "meus" ônibus que vou falar. É do trajeto de Pedro, personagem do livro Passageiro do Fim do Dia , de Rubens Figueiredo. O trajeto, do centro à periferia, é longo, muito longo. Tão longo que, entre congestionamentos, dúvidas e solavancos, Pedro traça um filme de sua vida. A sua e a das outras personagens que cruzam seu caminho, como a humilde e sonhadora namorada Rosane. São lembranças vindas das leituras, dos desatinos, dos acidentes, dos conhecidos. Lembranças vividas ou contadas que se misturam com divagações. O trajeto é longo, longo, sem fim. É como o tempo de uma vida. Não serão mesmo tantas horas de vidas que se passam dentro de um ônibus? Tempo que poderia ser d

O desenho e a leitura

O desenho e a leitura Érika de Moraes Em princípio, não vi os livros de colorir como algo ruim. Ganhei de minha irmã o “Jardim Secreto” e achei não só desestressante, como propõe a capa, mas até poético. Parecia que Papai Noel havia atendido ao meu pedido de natal: eu pedira uma caixa de lápis de cor para pintar a vida. Perceber que tais livros estavam se tornando um fenômeno de massa trouxe a necessidade de uma reflexão a respeito da influência das técnicas de marketing sobre o consumidor.  Se o livro “Jardim Secreto” traz desenhos autorais, assinados por uma ilustradora que convida o público a neles interferir, logo vieram os genéricos. Pintar ‘qualquer coisa’ se tornou antiestresse, segundo o marketing, mensagem carregada de apelo comercial (e que se exime da análise sobre o porquê do tal estresse generalizado). Recentemente, matéria do UOL TAB questionou: o que diz sobre nós o fato de que o livro mais vendido na atualidade é um livro de colorir para adultos? Uma primei

Gota da Vida - meu livro de contos

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A viagem de hoje não é para um país diferente, mas um passeio pelas palavras. Nasce o meu primeiro livro de contos, com escritos 'ensaiados' desde o início dos anos 2000, na casa dos meus vinte anos. A coragem, a humildade e a necessidade de 'libertá-los' vem só agora. Coragem, porque semear gotas, nunca perfeitas, é o desafio de quem ama a escrita. Humildade, porque a escrita nunca é boa o bastante para 'ser levada ao mundo', exigindo que você a deixe viver, incompleta, em construção. Necessidade, porque as palavras precisam voar para que outras retornem a você. E tudo isso pode se complicar um pouco quando a 'autora' de um livro estuda, academicamente, o conceito de 'autoria'. Quase paradoxal. Quase. Porque, parafraseando Dominique Maingueneau, há um 'nó borromeano' entre ser escritor e ser pessoa . Teorias literárias ora pendem para o enfoque romântico (a obra nasce do sentimento de um autor), ora para um certo determ

Bauru e meu céu-poesia

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No fim de tarde, é laranja E vai se tornando rosa e mistura com o azul da noite Pôr do sol sempre me fascinou. Já escrevi por aqui que, entre as lembranças dos lugares que visito, as que mais ficam na memória tem um raio de sol desenhando algo no céu ou refletindo num rio ou mar. Gravo na memória tão intensamente que essas fotografias me fazem pensar que posso desafiar o tempo e o espaço, deixando uma de mim em cada um dos lugares que amei. Há algum tempo, observo com certa intriga o quanto as pessoas, bauruenses ou não, admiram o pôr de sol de Bauru. Meus ex-colegas de trabalho postam da janela da empresa as cores que se pintam no céu de nossa cidade, ex-alunos também se recordam que levaram o retrato destes desenhos como lembrança de sua passagem pela Unesp. Flagrantes do céu na rodovia, enquanto o amor dirigia, até chegarmos ao céu rosado Lápis rosa desenha o céu Algumas vezes, me perguntei: como não notei isso antes? Talvez porque Narcis

Je suis Charlie?

Meu artigo publicado no Jornal da Cidade deste domingo. Je suis Charlie? Érika de Moraes “Je suis Charlie” pode ter se tornado um slogan repetido sem reflexão. Sensibilizo-me pelas vidas que foram interrompidas, assim como me solidarizo com muitos muçulmanos que são estigmatizados por sua crença e associados a terroristas sem que o sejam. Notícias dão conta, inclusive, da morte de cidadão muçulmano, o policial Ahmed Merabet, entre as vítimas do ataque ao Charlie Hebdo. Sensibilizar-me pelas vidas não significa que, de uma hora para outra, eu possa me definir como um certo tipo de humor.  Não me cabe julgar até que ponto tal humor é ou não desrespeitoso, só um amplo debate poderia iluminar esta questão e nada justificaria a retaliação com morte. O humor tem uma especificidade: a natureza de uma publicação humorística é diferente, por exemplo, das falas do ex-candidato Levy Fidelix, já que este ultraja a comunidade gay no espaço que, para ele, é o da “seriedade”. O fato mostra qu

Na Mochila: Paixão pelos livros

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Matéria da jornalista Rose Araújo sobre leitura para crianças, publicada na Revista Na Mochila (ed. 35, 2014). Participei como entrevistada. Para ler a matéria, clique na imagem para ampliá-la ou clique no site da revista Registro na íntegra, a seguir, a entrevista que concedi à Rose. Por que os pais devem incentivar a leitura desde cedo? O papel dos pais é fundamental, ainda mais porque o mundo atual é repleto de estímulos multimidiáticos, o que pode dificultar o interesse pela leitura mais atenta, concentrada. Aos pais cabe esse desafio de ajudar os filhos a encontrarem um ponto de equilíbrio entre os diversos interesses, sem deixar de lado este hábito tão importante que é a leitura. E é na primeira infância que importantes habilidades são assimiladas, interesses são solidificados. Não é impossível, mas é bem mais difícil despertar o interesse pela leitura em um adulto que não vivenciou essa experiência na infância, que não teve o privilégio de associá-la a uma ativ