O Incrível Hulk Azul

O Incrível Hulk Azul
(Sobre crianças, trabalho, profissões...)

- Vem na minha casa, tia!
- A tia logo vai!
- Vem amanhã!
- A tia vai daqui uns dias, antes tem que trabalhar.
- Pra ganhar din din, né! Você traz um Hulk azul?

A mamãe dele já explicou que não é para pedir as coisas. Mas é compreensível, ele só tem dois aninhos. E eu faço parte do ainda pequeno círculo de pessoas que, ele sabe muito bem, o querem feliz e amado. E observem o que ele pediu primeiro: presença.
Claro que a titia apaixonada está doida para encontrar um Hulk azul (ele me disse que tem “na barraquinha”), mas parece que ele me escolheu para uma missão um pouco difícil (será que vale pintar um verde com tinta azul? Ou escolher um Smurf bem bravo com cara de Hulk?). Para quem não está atualizado, já existe Hulk vermelho, o que deve ter levado meu sobrinho a imaginá-lo de todas as cores.
A história do Hulk me fez pensar sobre como vamos construindo a ideia de trabalho nas crianças. O primeiro impulso do adulto é colocar o trabalho como algo necessário para ganhar dinheiro. Não deixa de ser: precisamos dele para nosso sustento e para realizar outros sonhos que necessitam de respaldo material. Mas já fiquei pensando em logo tentar explicar ao meu sobrinho sobre outras motivações. Em parte, ele já sabe, pois brinca de mecânico, engenheiro, médico, super-herói, dinossauro (mas, modéstia à parte, sua maior alegria - pelo menos na minha frente - e colocar-se atrás da cortina, com os pezinhos visíveis, e gritar: procura eu Ékataaaaaa!!!).
Enfim, explicar que a gente precisa, sim, do dinheiro, mas que o trabalho que escolhemos pode trazer realização, sentido de vida! Sem hipocrisia. Não quer dizer que trabalhamos somente por amor. Mas que, se escolhemos de acordo com nossas motivações, o trabalho pode trazer tanta satisfação quanto qualquer outra atividade prazerosa. E também não quer dizer que qualquer trabalho do mundo não tenha lá suas partes chatas.
Meu sobrinho é uma criança feliz, a família não é do tipo que compensa falta de afeto com coisas materiais - embora os tios babões não resistam dar presentinhos, ele fica tão feliz com um desenho numa folha de papel quanto com algo mais caro. Na verdade, fica muito mais feliz com coisas que o dinheiro não compra, como ver um arco-íris ou ganhar um pouco do nosso tempo.
Mas a gente sabe que tem aí uma geração de crianças que não está aprendendo muito bem sobre valores. Então, no nosso mundinho encantado, sei que o possível de minha presença é meu maior presente. E, como logo ele irá à escolinha, imagino que será mais fácil explicar a ele: a titia também é professora, também precisa dar atenção aos alunos! E, no seu mundinho encantado, ele vai me imaginar tão querida quanto as professorinhas da pré-escola. E, no meu mundinho encantado, isso vai me ajudar a me lembrar, todos os dias, por que vou continuar amando meu trabalho.
[... mesmo quando o Cláudio de Moura Castro escreve artigo denegrindo a imagem do professor, enquanto ninguém contesta o mérito das categorias com mega salários e auxílio moradia maior que o salário inteiro de muitos professores. Em terra de desvalorização da educação, professor é vilão.]
Por enquanto, tudo isso é um pouco complicado para meu sobrinho. Tudo tem seu tempo. É fase de sonhos: todas as profissões têm igual valor. É cedo demais para ele entender que alguns trabalham muito, outros lucram mais. Que a vida impõe sacrifícios, mas não igualmente para todos.
No mundinho encantado dele, a professora da escolinha será tão valorizada quanto a doutora médica, tão merecedora quanto os demais trabalhadores. Assim como a tia da merenda etc.
É tempo de Hulk azul para nós.
E tomem cuidado, seus malvados, pois, se continuarem se aproveitando dos mais fracos, o Hulk azul vai pegar vocês!!!!
Quem pensa que estou brincando, saiba que é mais fácil o Hulk azul aparecer na terra do que alguns corações serem dignos.

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