Direitos da Mulher!
Artigo meu no JC de hoje, 30/6/2011.
O fato ocorreu nesta semana.
Érika
O fato ocorreu nesta semana.
Érika
30/06/2011 |
Direitos da mulher |
O Brasil acaba de reconhecer legalmente o casamento homossexual e ainda possui tantas marcas de desigualdade de gêneros. Deparei-me com uma delas ao comparecer ao Poupatempo com a simples finalidade de atualizar meu RG, que ainda era o de adolescente. Entreguei toda a documentação e, para minha surpresa, o atendente rasurou o meu RG antigo (antes mesmo que eu tivesse o novo em mãos). Perguntei o porquê: “é um procedimento padrão”, ouvi. Com espanto, argumentei: “mas meu marido renovou o dele há uma semana e não houve rasura. Qual a explicação?” O atendente chamou a supervisora que, meio constrangida, deu a explicação: “Porque você é mulher. Nosso Código Civil mudou - atualmente, tanto o homem quanto a mulher podem ou não alterar o sobrenome ao casar. Mas nossas regras ainda são antigas”. Não importa o fato de querer ou não preservar um RG de adolescência (irrisório, diante de problemas da vida), mas fiquei chocada com o simbolismo em questão. Não alterei meu sobrenome. Respeito a escolha de cada um(a), mas não compreendo gestos de mão única se os sentimentos se vivem a dois. Amar não é mudar de identidade. Acho lindo o sobrenome de meu marido, Schiavone, mas sou simplesmente Érika de Moraes, aquela que ele escolheu amar e vice-versa. Somos casados no civil e religioso, sob o testemunho das sábias palavras de Padre Beto: “O amor não é a fusão de duas metades, mas é a aproximação de dois inteiros.” (Relato do casamento em meu blog: http://liquimix.blogspot.com/2011/02/e-nos-casamos.html). Relevo muitas coisas: pessoas duvidarem de que sou casada devido ao sobrenome pequeno (e daí?), outras me julgarem por eu ser casada e não ter batedeira em casa. Podem rir, é cômico mesmo: qual a relação entre amor e batedeira? Mas não vou deixar de relatar, no intuito de despertar a atenção da sociedade, o que ouvi: “Porque você é mulher”. E ouvi mais: “Se seu marido comparecesse aqui com a certidão de nascimento, esta seria aceita. No seu caso, apenas a de casamento.” Ora, como isso seria possível, se o cartório reteve a certidão de nascimento de ambos ao substituí-la pela de casamento? Qual a lógica da diferença no aceite da documentação, se, hoje, meu marido e eu carregamos o mesmo número de registro civil? Meu tema efetivo não é papel, mas a dignidade dos gêneros. Minha tese de doutorado abordou os discursos sobre a mulher. Em vários congressos nos quais apresentei trabalhos, ouvi: “Mas a sociedade mudou”. Mudou mesmo. A mulher conquistou o direito de votar (o que é historicamente muito recente) e temos uma Presidente eleita. Mas os ranços se revelam nos pequenos gestos simbólicos e esses ainda têm muito a evoluir. No meio profissional, sou cercada por mulheres fortes e líderes. E ainda mães. E ainda belas. Mesmo assim, na sociedade, percebo o quanto uma atitude sensível é desprestigiada diante de uma racional, como se o modelo de perfeição devesse ser relacionado ao padrão supostamente masculino. Por muitos momentos, tive o ímpeto de defender a licença-paternidade de pelo menos um mês, para que o homem também pudesse usufruir desse momento em família, como ocorre em alguns países. Mas encontrei um contra-argumento prudente em Susan Pinker (O Paradoxo Sexual, Editora Best Seller): no exemplo acadêmico, mulheres em licença amamentam e cuidam dos filhos, enquanto homens aproveitam esse tempo para publicar artigos e livros, o que só aumenta a desigualdade. Nossa sociedade não está preparada para a igualdade. Sugiro atenção às regras sociais arbitrariamente constituídas. Se você, mulher, é aprovada em concurso público, pode lhe ser solicitado um exame de papanicolau para admissão; pergunte se ao homem será exigido o exame de próstata. Quantas rasuras ainda serão necessárias para que as identidades de homens e mulheres sejam reconhecidas em suas especificidades, mas equivalentes em termos de direitos e deveres? A autora, Érika de Moraes, é jornalista e doutora em Linguística pelo Instituto de Estudos da Linguagem (IEL/Unicamp), tendo defendido a tese “A representação discursiva da identidade feminina em quadros humorísticos”. Tese disponível para download: http://migreme.net/1c1v |
Érika de Moraes |
Mesmo com os avanços na Constituição, os julgamentos morais e a herança social ainda prevalecem. Infelizmente.
ResponderExcluirAline Leão
Parabéns pelo texto e pela iniciativa, Érika!
ResponderExcluir=)
Vivian Lourenço
Muito bom, Érika. Muito mesmo.
ResponderExcluirSó uma observação: é Presidenta... rsrsrsrs
Sírio Possenti
Muito bom texto, Érika. Parabéns!
ResponderExcluirBjo,
Sonia Benites
nossa, excelente!
ResponderExcluirparabéns, Érika.
bjos
Marcela
Erika, parabéns pelo artigo.
ResponderExcluirÓtimo texto, bons argumentos e muita sensibilidade.
Orgulho!
Bjo
Gabi Besson
Oi, Érika,
ResponderExcluirAdorei o seu artigo, maravilhos. Parabéns!
Abraço,
Anna Flora.
Muito lúcido o seu texto, Érika! Beijos!
ResponderExcluirErika,
ResponderExcluirLi a coluna que vc assinou ontem no JC e achei muito legal, oportuno, reflexivo e importante enquanto alerta. Já passei por algo semelhante e manifestações como a sua só ajudam as mulheres a se valorizarem mais. Parabéns!! Fiquei orgulhosa e até comentei com meu marido que vc é minha colega de trabalho.
beijos,
Vitória
Muito bom, Érikinha!
ResponderExcluirBjos da amiga
Fá Mique
Belíssimo texto, Érika. O mais bizarro é que eu reproduzido muitas vezes o modelo que, teoricamente, combato. Exemplo: se minha sogra visita minha casa, quem sai desesperada arrumando todo e qualquer pedacinho do apartamento? Eu. Porque é de mim que isso é cobrado e eu, para não ouvir, acabo cedendo.
ResponderExcluirQuando era criança, minha mãe me cobrava tarefas domésticas, mas não fazia o mesmo com meus irmãos homens. Ao mesmo tempo, me incentivou muito a estudar para "não depender de homem" e não ter que justamente ficar em casa fazendo serviços domésticos...
Beijo,
Ana Coli