DIA DO TRABALHO
Em meus primeiros anos escolares, ‘últimos’ anos de
ditadura, os livros repetiam como papagaios: “o trabalho dignifica o homem”. À
época, nem havia abertura para questionar o quão patriarcal este termo HOMEM.
Logo, descobri que o trabalho não só dignifica, mas também
oprime.
Felizmente, encontrando dentro de mim a posição do
EQUILÍBRIO (onde me encontro numa sensação de solitude, num mundo polarizado),
consegui reconciliar as coisas: o trabalho pode, sim, DIGNIFICAR, quando ele
possibilita um ponto comum entre servir dignamente a coletividade e, a um só
tempo, contemplar nossa própria subjetividade.
Nem sempre (e não para todos) o espaço de subjetividade é
possível. Eu mesma (privilegiada por ter podido estudar) luto por ele todos os
dias. Não é fácil encontrar o lugar da subjetividade, sem abrir mão da empatia
e da sensibilidade com o outro. Pender para qualquer um dos lados é uma linha
tênue.
O trabalho ‘pode’ dignificar. O trabalho ‘pode’ oprimir.
Pode, não necessariamente promove uma das coisas. O trabalho pode até
enriquecer, mas isso não é de ‘bom tom’ dizer. Não entendo por quê: não vejo o
que pode ser mais digno do que a ascensão social e financeira por meio do
trabalho (e não da sorte, da corrupção, do embuste ou da canalhice). Mas não é
de bom tom dizer: o trabalhador ‘deve’ ser humilde, está escrito em alguma tábua
que algum opressor inventou. É tão fácil jogar o oprimido, sem emprego, contra
o trabalhador (assim, escondem-se os reais privilégios). [Trato um pouco disso
em meu artigo crítico destinado ao ethos de Nathalia Arcuri: muitos problemas
em sua formação discursiva, mas também méritos.]
Apenas esperaria a construção de um mundo mais EQUILIBRADO.
Não vejo o que poderia ser mais socialmente sensível (valor ‘tipicamente’ da
esquerda) e meritocrático (valor ‘tipicamente’ da direita) do que a
oportunidade de trabalho e ascensão por meio dele.
Defender EQUILÍBRIO nos dias de hoje é ser apedrejado, e não
tenho menor vocação pra Geni, portanto, deveria calar-me. É justamente isso que
oprime: ter que calar para ser ‘aceito’.
O trabalho ‘pode’ dignificar. ‘Pode’ também oprimir. ‘Pode’
até enriquecer (não num sentido totalizante e monopolizador, mas promovendo segurança
e qualidade de vida). Mas só há grupo de pertencimento para quem acredita em
UMA das coisas.
São tempos tão difíceis e de ressignificação, que as
questões aqui postas podem até parecer banais. Só não nos enganemos. A
experiência atropelada do trabalho remoto JÁ IMPACTOU O FUTURO, para o bem e
para o mal, porém a SENSIBILIDADE HUMANA vai continuar sendo essencial. E
precisaremos ter muito tato (pensei em dizer força, luta ou bom-senso, mas
achei que tato contemplaria melhor o equilíbrio de que falo, sempre
considerando que palavras não são precisas) para fazer parte da ressignificação
(sobreviver a ela?).
Que o trabalho dignifique, oprima menos (pareceu-me irrealista
escrever ‘não oprima’), promova segurança. Proporcione o bem à coletividade e
permita algum espaço às subjetividades.
Tenho ouvido muito que (apesar dos pesares) a humanidade
está em comunhão por uma solução comum à crise Covid. Eu me pergunto se serão
esquecidos os membros da equipe científica que criarem a vacina ou, ainda,
aqueles que trabalharem por ela (deveríamos medir o mérito pelos esforços, não
apenas pelos resultados). Eu me pergunto se terão uma aposentadoria digna.
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