Ensaio sobre a cegueira


Mark Ruffalo e Julianne Moore em cena de Ensaio sobre a Cegueira (Blindness), Fox Filmes. Direção de Fernando Meirelles.

Ensaio sobre a Cegueira
José Saramago, vencedor do Prêmio Nobel

Cega o Primeiro Cego, atrapalhando o trânsito. Ao volante, parado no semáforo, a última imagem que vê é a luz vermelha do farol. Cega o médico oftalmologista que assistiu o Primeiro Cego. Cega o Ladrão, aquele que, sob o pretexto de ajudar, roubou o carro do Primeiro Cego. Cegam a rapariga dos óculos escuros, o rapazinho estrábico, o velho da venda preta, a empregada do consultório médico, a mulher do Primeiro Cego. Para que nomes? São todos eles, simplesmente, “os cegos”. A cegueira é branca, repentina, sem sintomas, sem indícios. Parece ser contagiosa. Cegueira pega? “A morte também não se pega, e apesar disso todos morremos”. Por precaução, o governo isola o grupo de cegos, numa tentativa de controlar a epidemia. Onde? Não à toa, um manicômio serve de morada para o grupo de cegos. O exército vigia, atira no cego que ousa se aproximar da saída. A comida – pouca – é deixada na porta para os cegos. No princípio, são seis. Depois, são 30. Depois, mais de 300 cegos em quarentena. Todos cegos, exceto uma pessoa: a mulher do médico. Esta mentiu estar cega para acompanhar o marido e espera o tempo todo pelo momento de sua cegueira que deverá chegar. Mas seus olhos permanecem iluminados. No começo, disfarça sua condição de vidente. Só ao final revelar-se-á a guia que ilumina o caminho dos amigos. Chega um grupo de cegos maus no manicômio. Exigem os objetos de valor dos outros cegos para dar-lhes comida. Depois, exigem as mulheres: violação, estupro. A mulher do médico mata com uma tesoura o chefe dos cegos maus – ato terrível, porém vingança justificada. Duzentas páginas depois, após um incêndio acidental, os cegos encontram os portões do manicômio abertos e saem, libertos. “Os loucos saem”, diz o narrador. A essa altura, todo o exército já está cego. Mais do que isso, toda a população está cega. Tudo é caos. Sistemas de energia e água não funcionam. Mercados e lojas foram saqueados, na luta por encontrar alimentos e roupas. As casas foram invadidas, pois quem não consegue chegar a sua casa, domina a primeira que vê (por direito de usucapião). A cidade fede. Lixo e fezes nas ruas. A mulher do médico, verdadeira guerreira, única testemunha ocular do caos, toma a frente na luta pela sobrevivência de seu grupo de sete. O rapazinho estrábico, há muito, já não pergunta mais pela mãe. Vão se acostumando à condição de não-humanos. Com tudo se acostuma... são as “brutidões egoístas que resultam da simples, porém imperiosa, necessidade de manter-se”; “quando a aflição aperta, quando o corpo se nos demanda de dor e angústia, então é que se vê o animalzinho que somos”. O cão das lágrimas consola a mulher do médico. Entram numa igreja e... loucura! Todos os santos de olhos vendados. Tudo no limite, alimento escasso. Trezentas páginas depois, a cegueira branca do Primeiro Cego torna-se negra. Ele abre os olhos e... Vê! Pouco a pouco, cada um vai recuperando a visão. Aí termina o livro. Não se diz o que acontece depois. É provável que os ex-cegos, agora videntes, empenhem-se no projeto de reconstruir a cidade, quem sabe passando a enxergar a vida de uma outra maneira, porque foi preciso cegar!

*** Enquanto aguardamos a estréia de Blindness nos cinemas (prevista para 12 de setembro de 2008), uma sinopse by Érika para quem gostou do livro de José Saramago.

Postado no meu blog do UOL em: 25/05/08

Comentários

  1. Comentários recebidos:

    Querida, que ótima sinopse. Não é uma sinopse, é praticamente um resumo com o que há de mais tocante e relevante na obra. Li este livro tarde, mas me foi profundamente iluminador -- estou ansiosíssima para ver o filme. Um beijo!
    Liliane | lilianeunesp@ig.com.br | 26/05/2008 21:30

    Ainda não li esse livro! Que aflição!!! mas fiquei com vontade de ler! hehehe
    sue ellen | sueellen.cruz@gmail.com | sueellencruz.,blogspot.com | 26/05/2008 15:43

    Érika, veja esse vídeo do Saramago ao final da exibição do filme em Cannes: http://uk.youtube.com/watch?v=Y1hzDzAvJOY Emocionante a generosidade do escritor! Bjos!
    Ana | anacoli@yahoo.com | 26/05/2008 14:30

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