Sobre Estrangeirismos

– ou brincando de formar palavras –

Vira-e-mexe, a discussão sobre estrangeirismos volta à pauta por conta do projeto de Aldo Rebelo, que pretende banir o uso de palavras estrangeiras no Brasil. Parlamentares, em geral, são bons para legislar sobre os próprios salários e benefícios (digo “bons” em causa própria, evidentemente), mas também não contêm a vontade de legislar sobre a língua. Já que gostam tanto, poderiam, ao menos, fazer um cursinho básico de Lingüística.

Aprenderiam que a influência estrangeira, ao contrário de empobrecer, torna a língua mais rica em termos de vocabulário. Descobririam que qualquer língua do mundo é, praticamente, composta por um mix de estrangeirismos. No português, palavrinhas banais como telegrama ou geografia são formadas por radicais gregos. Aí, Rebelo vai dizer que pode, mas qual a lógica?

Se observassem os dados com mais atenção, saberiam que a importação de palavras é muito mais sofisticada do que a eles parece. Não importamos do inglês o verbo “to delete”, mas a sua raiz, e criamos “deletar”, com desinência genuinamente brasileira (nem vou dizer portuguesa), a dos verbos terminados em ar. Podem dizer que não precisamos de “deletar”, já que temos “apagar”, como quem se esquece do óbvio: apagamos o caderno, com borracha, mas, em tempos digitais, deletamos o arquivo. O vocabulário novo ganha um sentido específico, vinculado a um determinado campo, o da informática. Também podemos deletar alguém de nosso coração, mas aí já estamos no campo das metáforas. Ruim? Por que seria, se são elas que permitem, entre outras coisas, a existência da poesia?

Para quem ainda está com medo de a língua, pobrezinha, ser invadida pelo imperialismo de Bush, um conceito pode tranqüilizar: resumidamente, uma língua se caracteriza mais por sua gramática do que por seu vocabulário! Em outras palavras: o português (ou outra língua qualquer) é o que é muito mais por suas desinências, conjugações, regras de concordância, etc. do que por seu léxico.

Alguém pode dizer que estou defendendo o estrangeirismo, quando estou apenas procurando fornecer (a quem interessar...) uma explicaçãozinha básica sobre o funcionamento das línguas. Mas há quem leia formiga e entenda dinossauro e isso é bem mais problemático do que vender produtos on sale. E é aí que mora o grande desafio da educação brasileira. All right?

Aldo não está sozinho. Políticos de outros países também já deram seus foras lingüísticos. Na França, a Lei Toubon foi sancionada em 1994, determinando a substituição de termos estrangeiros por equivalentes franceses. O povo, sagazmente, logo a apelidou de Lei All Good, traduzindo para o inglês a sonoridade do sobrenome do ministro Toubon, que a propôs. Em resumo, a lei não “pegou”.

Quem quiser brincar: pegue quaisquer palavras do inglês, ou de outro idioma, e experimente formar uma palavra “brasileira”. Com to bring, do inglês, faríamos bringar (porque não costumamos “aceitar” palavras que terminem em consoante, então, poríamos uma vogal e, sendo verbo, acrescentaríamos nossa desinência preferida). Está certo, não precisamos, pois já temos trazer. Mas é só uma brincadeira, tá? Com skirt, também do inglês, faríamos escarte (pronunciado ‘iscarti’), porque também estranhamos o “s” o “t” mudos nas posições inicial e final. E essa poderia ser uma nova saia da moda... Estilistas, agora é com vocês!

Se você estiver inspirado(a), conseguirá escrever um texto inteiro em “português-estrangeirês”. Será que o Aldo ficaria com medo da brincadeira?

O projeto de lei contra estrangeirismos foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados em dezembro/2007, já tendo passado pelo senado. Policarpo Quaresma, de algum lugar fictício, deve estar feliz. Não é a volta do tupi, mas, de qualquer forma, um nacionalismo comemorável de um ponto de vista policarpiano. Ainda que vire lei, será difícil que o sonho nacionalista de Aldo se realize. A língua é construída a cada dia pela fala do povo (aquele que “fala gostoso o português do Brasil”), mesclando, fundindo, criando... A não ser que prendam as pessoas que insistam em usar o mouse em vez de um ratinho. Mas daí vira ditadura, não é?

Postado no meu blog do UOL em: 06/02/2008

Comentários

  1. Comentários recebidos:

    Erika, acho que você tem toda razão. Concordo que os estrangeirismo mais enriquecem a língua do que a prejudicam. Mas não escondo que me sinto incomodado com os "Offs" em lugar de liqüidações ou "queimas". Não sou purista, mas acho que "deletar" é genial, mas ter um trabalho "full time", pobre demais. Por outro lado, não é uma lei que mudará isso, mas sim uma reforma no ensino da língua e até na educação, que deveria ser de alta qualidade e gratuita, para todos (que quiserem) sem restrições. Aí a discussão já entra em outro mérito... Parabéns, seu blog está muito bom. Continue levantando questões desse quilate, são bem mais interessantes que o Johnny Depp :-) David
    David Cintra | davidcintra@hotmail.com | 04/03/2008 23:52
    Resposta:
    David, opinião registrada, valeu! Fico feliz que prefira meu conteúdo mais teórico aos "momentos Johnny". Afinal, o astro está tão longe, e meus estudos aqui tão concretos... Mas, já que meu Liquimix é um mix, cabe tb um pouquinho de Depp... :) Volte sempre! Abraços, Érika.


    [Eliane] [elianerighi@terra.com.br]
    Li seu artigo sobre estrangeirismo e achei muito legal. A propósito, a respeito dessa discussão, temos trabalhado, em nossa área de pesquisa, com uma idéia: a da “maternalização” da língua estrangeira e a “estrangeirização” da língua materna (afinal, toda língua é composta por uma multiplicidade de outras línguas, que tb são compostas por outras etc.) E quem, afinal, não se sente tb estrangeiro na própria língua por tantas vezes? Parabéns pelo blog e vida longa! Abraço, Eliane.
    21/02/2008 08:52
    Comentário enviado por e-mail.

    [Rodrigo] [rodrigo22oliveira@yahoo.com]
    Cheri, morro de vergonha de ser brasileiro quando vejo que os dirigentes que colocamos no poder perdem tempo e dindin confeccionando leis como essas, que 'proibem' estrangeirismos, gerundismos ou quaisquer 'ismos'. Deveriam proibir meninas presas com homens adultos, gastos exorbitantes com cartões do governo e apartamentos funcionais, entre outros exemplos... tenho vergonha, juro!
    11/02/2008 12:07
    RESPOSTA:
    Darling, vc toca no ponto central da questão. Como linguista, vejo inconsistências teóricas na guerrinha contra o estrangeirismo. Como cidadã, vejo muito mais a se fazer por esse país. Bjs. Érika.

    [Águeda Borges] [guidabcruz@uol.com.br]
    Olá Érika, Sugeriram para que eu entrasse no seu Blog e eu o fiz, não me arrependi, depois venho com mais tempo, mas foi o suficiente para parabenizá-la por mais esse espapaço... Abraço. Retornarei...
    11/02/2008 08:53

    [Marcela Franco Fossey] [marcela.ff@gmail.com]
    oi de novo! acabei de ver que o Aldo Rebelo está no Painel do Leitor da Folha, falando sobre seu projeto... bjinhos
    07/02/2008 10:15

    [Marcela Franco Fossey] [marcela.ff@gmail.com]
    Oi, Érika! parabéns pelo seu blog, estou gostando muito! e que legal ter mais um lugar de divulgação da lingüística... acho super mega importante! bjos Marcela
    07/02/2008 09:28

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  2. critica construtiva:
    tem tantos deputados fazendo coisas boa, votando projetos de grande importância nacional como por exemplo o codigo florestal ow um jah estabelecido o de celulas tronco, com um conteudo muito mais interessante a se falar sobre o aldo rebelo que no caso seria o relator dessas duas comições citadas acima..
    po gnt eu posso não ser la mto culto mas ah, existem temas mais significativos do q o estrangeirismo no momento..
    gostei do seu blog
    abraços

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  3. érica se vc puder me dizer por que a lei nao foi aprovada , agradeceria muito : por favor me mande um email para tatyane.meyreles@gmail.com

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  4. Mandou bem, Érika. Gostaria de algum comentário sobre a língua ensinada a nossas crianças hoje, considerando a (comentada) queda de qualidade e a mudança de mídia ora em curso, uma e outra com dramáticas consequências.

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  5. Olá, Gerson!
    Gostei da sugestão, qq hora escrevo sobre linguagem & crianças.
    Por enquanto, dê uma olhadinha na entrevista "Papo de linguagem" publicada aqui no blog...
    obrigada pela participação!
    abraço e volte sempre.

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