CRÔNICA - O desfile das divas
Produção do meu aluno Wesley Anjos (Jornalismo, Unesp)
Um texto para enfrentar preconceitos!
profa. Érika
Um texto para enfrentar preconceitos!
profa. Érika
O desfile das divas
por Wesley
Anjos
Todo final de ano era assim: as famílias
reunidas na praia e a Zezé se metendo a falar do tal do feminismo. Lourdinha
sempre torcia o nariz com desdém. Dessa vez, com cara de quem comeu e não
gostou nadinha, pôs-se logo a argumentar:
“Credo! Deus que me livre dessa pouca vergonha. Outro dia vi uma tal
Marcha das Vadias. Se elas gostam de se aparecer como vadias, por que não
gostam de ser tratadas como tal? Safadeza, isso sim!”.
- Você reproduz o discurso que eles querem que
reproduzamos, sem ao menos perceber.
- Muito pelo contrário. Aprendi com a minha
mãe, que aprendeu com a minha avó.
- Que assim como você reproduziram sem reclamar
o que os machistas queriam!
Sônia tratou logo de falar da beleza da
praia. Queria era evitar que a discussão se estendesse. Todo ano era igual. Para
que discutir? Para que arrumar mais problemas? As coisas não podiam ficar como
estavam? Não podia, não! Não para Zezé, que acreditava que o machismo era uma doença
que só podia ser curada se fosse medicada. Mas, devido à insistência de Sônia,
as quatro acabaram entrando no assunto. O sol, o mar, a areia... Ah! Aquilo tudo era bom demais. Até que,
espere aí! Foi Teresa quem se exaltou dessa vez:
- Olha o biquíni daquela rapariga ali, todo
enterrado naquele lugar. Essa não é moça de respeito.
- E o que seria uma moça de respeito?
- Ora, sabemos muito bem que pra homem tem
mulher pra casar e mulher só pra molhar o biscoito. Essas biscates servem pra
isso.
- Por isso que tem tanto homem traindo. Culpa
dessas vagabundas! – opinou Lourdinha.
Para quê? Zezé ficou com a cara de um bicho e
tratou logo de contra-argumentar:
- Pois fique sabendo que, no caso, quem se
comprometeu com um casamento que tem de zelar por ele. Parem de reproduzir
esses discursinhos machistas! Então querem dizer que o homem trai e não tem
culpa por isso?
- Ora, agora preciso falar – Teresa tentava
justificar. – Homem é homem. A gente sabe que homem tem a carne fraca.
- É sempre assim! Eles sempre usam essa
desculpa e a culpa cai sempre nas nossas costas. Não percebem?
- Ah, isso é – disse Teresa.
- É bem verdade – concordou Lourdinha.
- Pois queria eu ter esse corpinho para
desfilar de biquíni – riu Sônia. – Depois dos quarenta a gente
entrega pra Cristo.
Foi então que Zezé retirou a tanga e a
blusinha. Exibiu o seu biquíni com orgulho. Como é que ela tinha coragem de
mostrar aquelas estrias e celulites? Depois de dois filhos e certa idade,
mulher nenhuma era mais a mesma, disseram logo as outras três.
- As marcas do meu corpo são lindas, assim como
ele. Elas refletem as mudanças que ele passou. E cada etapa dessa vida valeu
muito a pena.
Pegou a sua bolsa. Retirou um estojo e
um espelhinho. Passou um batom vermelho e distribuiu para as demais. Quando se
deram conta, estavam todas passeando com as bocas pintadas e os corpos à
mostra. Aquela brincadeira fez com que se sentissem divas. E o eram. Zezé não
deixava de repetir que é preciso ter muita coragem e força para ser mulher
nesse mundo, para lidar com os mistérios do seu corpo e com aqueles seres que
mijavam em pé e queriam ditar as regras.
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